segunda-feira, 11 de março de 2013

Falemos de... Sustentabilidade do nosso sistema de saúde



Portugal, a par do Reino Unido, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Irlanda, Itália, Espanha e Grécia, procurou orientar o financiamento do seu sistema de saúde, desde a génese do SNS (Lei nº56/79, de 15 de Setembro), para um modelo baseado nos impostos, ou seja, grande parte do financiamento do SNS vem do Orçamento do Estado, assumindo o Estado o direito constitucional de universalidade, igualdade, tendencial gratuitidade e acessibilidade dos cidadãos aos cuidados de saúde.

Podem ser considerados 4 tipos de financiamento aos sistemas de saúde:
1 – Impostos;
2 – Esquemas sociais de seguros;
3 – Esquemas privados de seguros;
4 – Pagamento directo pelos doentes.
Os dois primeiros são os chamados sistemas compulsivos, enquanto os dois últimos os sistemas voluntários.

Na Europa, o financiamento aos sistemas de saúde, assume duas vertentes possíveis:
1 - Modelo de Bismarck (que baseia o financiamento nos esquemas sociais de seguros).
2 – Modelo de Beveridge (que baseia o financiamento nos impostos).

-» Modelo de Bismarck:
Otto von Bismarck foi o primeiro chanceler alemão. No final do séc. XIX, e depois de unir a antiga Prússia aos reinos e ducados da Europa central, fundando o estado germânico, foi o pai do “Estado Social”, definindo os seus pilares-base: a Justiça, a Educação, a Saúde e a Segurança Social.
            No modelo de Bismarck (seguido pela Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e Holanda), o financiamento ao sistema de saúde advém em mais de 60% de esquemas sociais de seguros, em 20-30% dos impostos (direccionados para o ensino, investigação e saúde pública), em 5-15% de seguros privados e em <5% de taxas moderadoras ou co-pagamentos (duas coisas bastante diferentes: na primeira, o doente paga <10% da despesa pública total nos cuidados ministrados e segundo a sua capacidade socio-económica; na segunda, há um valor fixo, que pode ir de 10 a mais de 50% da despesa pública nos cuidados ministrados).
            Os países que adoptam este sistema diferem em bastantes pontos, como por exemplo:

a)      Na Cobertura:
1 – por grupos ocupacionais (França e Luxemburgo);
2 – por critérios geográficos (Holanda);
3 – por filiações religiosas ou políticas (Bélgica);
4 – Diversos: por ocupação, região ou localidade ou ramo da actividade da empresa (Áustria e Alemanha).

b)      Nas Excepções:
1 – Alemanha: acima de determinado rendimento, os cidadãos podem escolher entre o seguro social estatal ou um seguro privado (são obrigados a escolher um!);
2 – Holanda: acima de determinado rendimento, quanto a cuidados agudos, podem escolher entre um seguro privado ou não ter seguro e optar pelo pagamento total quando recorrem ao sistema de saúde (os cuidados para doenças crónicas são universais).

c)      Nas Contribuições para o orçamento:
1 – Áustria, Alemanha, Luxemburgo e Holanda: empregador/empregado -» 50%/50% (atingindo até 12% do salário-base);
2 – Bélgica e França: empregador/empregado -» empregador>empregado (atingindo até 19% do salário-base).

O modelo de financiamento de Bismarck está actualmente numa encruzilhada económico-financeira brutal na maioria dos países que o adopta (excepto, talvez, a Alemanha). Isto porque, com a crise que vivemos, as economias destes países abrandam, havendo uma diminuição dos grupos socioeconómicos que mais contribuíam para os esquemas de seguro social (classe média), tornando o Estado incapaz de garantir o financiamento. Até porque, sendo um sistema que apresenta uma maior penetrância por parte dos seguros privados, há uma menor tendência para políticas de promoção da saúde e prevenção da doença (apesar de haver um índice de escolaridade maior, que normalmente se faz acompanhar por menores taxas de procura por cuidados de saúde hospitalares), o que tem os seus efeitos a médio/longo prazo…




-» Modelo de Beveridge:

            William Beveridge foi um ministro inglês durante a 2ª guerra mundial, publicou um artigo em 1942 – “Social Insurance and Allied Services” – onde defendeu a necessidade de reformar o Estado Social britânico, constitucionalizando os seus pilares-base como direitos fundamentais dos cidadãos, assegurados pelo Orçamento do Estado.
            No modelo de Beveridge (seguido pelo Reino Unido, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Irlanda, Itália, Portugal, Espanha e Grécia), o Estado compromete-se a assegurar – através do SNS ou de convenção com os privados – o direito à saúde, com cobertura igualitária para toda a população. O financiamento advém em >60% dos impostos, 15-20% de seguros sociais (representados pelos subsistemas de saúde estatais), <5% de taxas moderadoras (neste sistema é rejeitado o co-pagamento, excepto para os 2/3 mais ricos da Irlanda) e o seguro privado é considerado um bem de luxo.
            Os quatro países que se deparam neste momento com planos de resgate financeiro pertencem a este grupo, mas nada tem que ver com o financiamento ao sistema de saúde. Bem pelo contrário.
Vejamos: nestes países, a economia é fraca (em Portugal, nos últimos 10 anos, enquanto a despesa com a saúde cresceu cerca de 30%, a economia estagnou ou até enfraqueceu, no mesmo período), não havendo uma classe média forte o suficiente que garanta o financiamento num possível esquema de seguro social (considerando o mesmo número e a mesma qualidade de cuidados prestados). Para além disso, os modelos de Beveridge têm maior tendência a apostar nos cuidados de saúde primários, fortalecendo a promoção da saúde e a prevenção da doença, o que a longo prazo permite uma diminuição da procura de cuidados hospitalares, e se esta política for acompanhada de uma melhor informação e formação das pessoas (investimento na Educação e na Cultura, outros pilares-base do Estado Social), o sistema fica com maior capacidade de resposta instalada para a assistência que de facto é necessária.


A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DO SNS

Portugal é dos países que mais despesa apresenta na saúde em relação ao PIB (dados de 2010 indicam que éramos o 4º país com maior despesa em relação ao PIB, na ordem dos 10,2% do PIB -» altura em que o orçamento do Ministério da Saúde era de 8.750,7 milhões de euros, mais cerca de 6% do que tinha sido em 2009).
No entanto, o nosso PIB/habitante, em 2010, era cerca de 15.800€, ou seja, a nossa DESPESA REAL com cada habitante seria de:
10,2% x 15.800 = 1.611€ per capita.

Já a média da despesa na saúde dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos) era, em 2010, de 7,0% do PIB. No entanto, o PIB da média da OCDE era, em 2010, de cerca de 23.600€, ou seja, a despesa real média dos países da OCDE era de:
7,0% x 23.600 = 1.652€ per capita.


A crise atirou-nos para outros números, que ainda nos deixam mais longe da média da OCDE:
PORTUGAL (estimativa de 2013 -» dados da Comunicação Social, não confirmados em instâncias oficiais. Orçamento do MS: 8.344,3 milhões): 10,0% x 14.600 = 1.460€ per capita.
Média OCDE (estimativa 2013 -» dados da Comunicação Social, não confirmados em instâncias oficiais): 8,0% x 24.500 = 1.960€ per capita.

A juntar a isto, temos ainda outra informação que nos poderá deixar ainda mais para trás no que diz respeito ao investimento na saúde por habitante: enquanto Portugal considera toda a despesa em saúde (SNS e subsistemas estatais – com cerca de 1,8 milhões de beneficiários, da GNR, da PSP, das Forças Armadas…), alguns países não consideram alguns subsistemas, pelo que se os considerassem, poderíamos ver que a média da OCDE ainda seria maior.


A grande questão do financiamento ao nosso SNS (!): a nossa economia é tão fraca que manter um dos melhores sistemas de saúde do mundo (12º na avaliação da Organização Mundial de Saúde, em 2001, e 16º em 2011) é quase impossível, dizem-nos. E isto deixa os nossos políticos a repetir contínua e interminavelmente esta equação, até que todos acreditamos que este é o único caminho para o SNS:







Ou seja, dizem-nos que o SNS é “insustentável” como está, por isso para termos a qualidade e número de cuidados que existem actualmente, temos de aumentar os impostos e/ou os pagamentos directos pelos utentes (taxas moderadoras) e/ou diminuir os benefícios fiscais (comparticipações em terapêuticas). Ou então, diminuímos a qualidade e/ou o número de cuidados a prestar…

            …Acabou por ser mais ou menos tudo isso que se fez…
           
A situação melhorou?
Vejamos…

1. A qualidade da prestação dos cuidados de saúde, assim como a igualdade no acesso, tendencial gratuitidade e universalidade diminuíram, segundo a última avaliação da OMS (critérios avaliados: 1 - Safe; 2 – Effective; 3 – Patient-centred; 4 – Timely; 5 – Efficient; 6 – Equitable) e a avaliação pela União Europeia (critérios: 1 – Liderança; 2 – Gestão das pessoas; 3 – Planeamento e estratégia; 4 – Parcerias e recursos; 5 – Gestão dos processos e da mudança.). É de ressalvar, no entanto, que ambas consideram Portugal como um país na vanguarda da mudança no que diz respeito à orientação do seu sistema de saúde para os cuidados primários, o que trará, indiscutivelmente, a par da criação da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados – RNCCI – e dos planos nacionais de saúde, uma melhor orientação do sistema, eliminando défices por um lado e, por outro lado, suprimindo sobreposições, aumentando a eficiência a longo prazo.
2. A obsessão pela eficiência do sistema levou ao chamado “Paradoxo do financiamento na Saúde” (Michael Porter, 2008), ou seja, “Quanto maior é o foco no controlo dos custos, maior é a sua tendência para subirem”. E, de facto, assim é: se não há orçamentos do Ministério da Saúde reais, acumulam-se as dívidas nos hospitais. Se se acumulam as dívidas nos hospitais (na grande maioria, claramente por subfinanciamento governamental), mais tarde ou mais cedo será necessário um orçamento retificativo. Porque uma coisa é certa, a Saúde é economia… E numa relação comercial, se não se pagam as dívidas, deixa de haver fornecimento de serviços… Ora, o que assistimos todos os dias é ao achincalhar dos gestores hospitalares na praça pública (tenhamos sempre em mente que a despesa afecta aos hospitais representa mais de 60% do total do financiamento do SNS). Mas a realidade é que a economia, o planeamento sério e a estratégia não lhes pertence! Neste campo joga o governo que, infelizmente, tem falhado, e muito…

…Mas será que o SNS tem uma taxa de ineficiência tão alta como tem vindo a ser tornado público por alguns responsáveis e ex-responsáveis políticos?
…Será mesmo impossível manter o SNS tal como o conhecemos?
…Será que ele é “insustentável”?

Vejamos…

1º O SNS português apresenta desempenhos de relação custo-benefício superiores à grande maioria dos países da OCDE, países esses que gastam mais na saúde do que nós…
Então… porque não concluir que esta taxa de ineficiência (já ouvi dizer que seria de 25-30% do investimento total!) não pode ser assim tão enorme…? É que, apesar de nós estarmos ainda a anos-luz de termos uma boa fiscalização dos nossos sistemas públicos (e na saúde há 2 entidades superiores de regulação – a Entidade Reguladora da Saúde e a Inspeção Geral das Atividades em Saúde - que pouca influência parecem ter neste campo, para o qual foram criadas), estes países apresentam uma regulação apertada, não tendo estimativas tão altas de ineficiência dos seus sistemas!

Dá que pensar…



2º Não só é possível manter o SNS como o conhecemos, como é possível aumentar-lhe a sua ação! Um dos problemas do SNS, neste momento, é a dispersão de meios e de recursos humanos, para o qual o governo apresenta algumas soluções que me parecem corretas do ponto de vista estratégico (e não estou a falar dos centros hospitalares, modelo sem projectos-piloto, sendo óbvio, pelo menos nos casos que conheço, que não foi pensado pelo centro operacional das estruturas de saúde, parceiros essenciais em todas as reformas. Parece que o ótimo exemplo de programação das reformas dos CSP não serve para as reformas do sistema hospitalar…). Para além disto, Portugal é um país que “passa ao lado de um mercado enorme” (Diário de Notícias, “Estado da Saúde”, 2011), que é o mercado do “turismo médico”. Orientar determinadas valências do nosso SNS para conseguir um financiamento extra também me parece exequível e, mais do que isso, essencial. Mas num futuro próximo voltarei a falar disso.. Deixo apenas a nota dos países que se têm vindo a assumir como pioneiros neste mercado e, como podemos constatar, podemos facilmente ser competitivos, tanto pelo preço dos cuidados desta amostra, como pelas singulares condições culturais e turísticas que apresentamos.








3º O SNS é sustentável. Por uma razão muito simples: é o serviço que mais contribui para a produtividade nacional, ultrapassando em muito aquilo que nele é investido. Tendo indicadores de saúde como nós temos, superiores a muitos dos países mais desenvolvidos do mundo, com menos investimento estatal, como podem afirmar que não é sustentável?

E não precisamos de entrar em ideologias ou demagogias, perguntando quanto vale uma vida humana…

O SNS é uma equação possível e, mais do que isso, necessária.




BIBLIOGRAFIA utilizada:

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Kutzin, Joseph; Cashin, Cheryl & Jakab, Mellita (2010). Implementing health financing reform: lessons from countries in transition. WHO Regional Office for Europe: European Observatory on Health Systems and Policies, Copenhagen.
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- Ribeiro, José Mendes (2009). Saúde - A Liberdade de Escolher. Gradiva Publicações, SA, 1ª Edição, Lisboa.
- Ribeiro, Hugo (2012). Sistema de Saúde Português – Organização e planeamento. Tese de Mestrado em Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
- Diário de Notícias (2011). O verdadeiro retrato de Portugal - O Estado da Saúde. Gradiva Publicações, SA, 1ª edição, Lisboa.