Numa tarde de um domingo soalheiro, ia eu a conduzir o carro, na estrada
que percorro frequentemente. Passo por casas de fachada gasta, muros que
escondem nada, e ruas que se cruzam numa densidade, que a mim, condutor
habitual naquela estrada, nenhuma confusão me mete. A monotonia é tal que as
mudanças metem-se por elas próprias, o volante conduz-se, e o pára-arranca é
tão natural como a divagação do pensamento.
Nesta minha primeira intervenção, poderia falar das estradas portuguesas, do
trânsito, e dos costumes de condutor de domingo, mas não é isso que vou fazer. O
que me motiva é a nossa inconsciência natural naquilo que fazemos na azáfama
diária. Um condutor que aprendeu a conduzir aos 18, 20 anos, aprende as regras
de trânsito, aprende o funcionamento de um carro, testa o seu funcionamento,
aprende praticando e a cometer alguns erros. Eu pessoalmente, quando aprendi
o código e a condução, coloquei muita coisa em causa, tive várias discussões com
o meu instrutor e cheguei à conclusão que em alguns aspectos o funcionamento
do código ou da condução não me pareceu o mais adequado. Depois fui-me
habituando, e neste momento nem dou conta de que estou a conduzir...
Agora imaginem que nós nascíamos já a saber conduzir. Que isso se aprendia
como falar ou comer. Será que colocaríamos em causa as regras de condução?
Na verdade nós aprendemos muita coisa e compactuamos com ela sem nos
apercebermos. A nossa cultura, o nosso sistema político, o nosso sistema
económico...
Centrando-me um pouco no nosso sistema económico, já que é, a meu ver, aquele
sistema que hoje em dia tem uma maior relevância na sociedade, por vezes
conseguindo uma conotação sobrenatural.
Não há muitas gerações atrás vivia-se numa época de práticas económicas
mercantis. Um cesto de maçãs era trocado por um cesto de couves, simples e
directamente. Com o sistema económico actual as coisas não assim tão simples.
Hoje em dia o que pode parecer um bocado de papel com o poder de comprar
alguma coisa material, envolve muitos processos e desvalorizações num
processo cujo objectivo é exactamente desvalorizá-lo de forma a que quem o
controla possa incrementar os seus lucros.
Corporações financeiras como a Reserva Federal ou o Banco Central Europeu tal
como o funcionamento dessas corporações assentes num sistema de reservas
fraccionárias, não são mais do que mecanismos de criar dinheiro virtual (que
podemos perceber melhor em documentários como o Zeitgueist), e todos os dias
compactuamos com este sistema sem nos questionarmos.
Quando era pequeno costumava jogar Monopólio, e depois de umas horas entre
vender e comprar propriedades, comprar casas e cobrar passagens, chegava
ao fim do jogo, comigo, ou com um dos outros jogadores, a ganhar tudo. Mas
agora vamos jogar um monopólio mais interessante e colocar a banca num
dos jogadores: ele pode emprestar dinheiro cobrando uma taxa de 10% pelo
empréstimo. Mas ele basicamente está a cobrar um dez avos de dinheiro que não
existe no tabuleiro. Depois de sucessivos empréstimos o que acontece??
Ainda a pensar no meu velho jogo do Monopólio, vamos supor que no início há
100 contos no tabuleiro, 50 do jogador que controla a banca, e os restantes 50
são para os restantes 25 jogadores que partiram com 2 contos cada um, com
os quais podiam comprar 10 terrenos. Há apenas 5 jogadores que podem pedir
dinheiro emprestado ao jogador que controla a banca, e emprestar a outros
que por sua vez também emprestam aos restantes. Quando formos contabilizar
todo o dinheiro, incluindo os empréstimos, estão 1000 contos em jogo. O que
acontece? Como os terrenos são os mesmos, eles terão de desvalorizar 10
vezes para compensar o dinheiro que existe em jogo. É fácil ver que o jogador
controlador da banca que inicialmente tem 50% do valor total é o que vai
aumentar mais a sua capitalização já que cobra juros directa ou indirectamente
a todos os outros que compactuem com as regras do jogo. Os 5 restantes que
também puderam emprestar também vão conseguir capitalizar o seu dinheiro.
Os que partiram com 2 contos, neste momento têm uns fantásticos 6 contos. Mas
agora que têm o triplo do que tinham, os terrenos valem 10 vezes menos e neste
momento apenas poderão comprar 3 ao contrario dos 10 iniciais!
Entramos num ciclo vicioso, pois quantos mais empréstimos maior é a
desvalorização e quanto maior é a desvalorização menor poder de compra terão
os que partiram sem poder manipular as próprias regras do jogo.
A aritmética que aqui apresento é apenas uma sintetização de um grande
processo que se pretende o mais complexo possível, de forma a que quando
chegamos ao nosso destino não damos conta que o valor do dinheiro com o qual
partimos é menor.
Eu vou continuar a minha viagem e aproveitar para não me distrair com
pensamentos considerados infundamentados. Vou contemplar as fachadas
podres, os muros que existem para esconder algo e caminhar pelo emaranhado
de estradas que só não me confundem porque eu nasci como elas.
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